sábado, janeiro 06, 2007
Entre Pensamentos...
Aconchegou-se naquele recanto muito seu e deu rédea solta aos pensamentos…
Sempre se considerara mulher de sorte e cada vez mais se lhe arreigava a convicção de que, se pudesse renascer na mesma pele, viveria todas as felicidades e dores do mesmo exacto modo, que umas e outras formam o ser, ajudam-no a crescer…
Dona e senhora de si mesma, desenraizada por opção, teve na perda de um filho a medida-padrão da dor maior e mais profunda que ser humano algum possa sofrer e na subsequente impossibilidade de outros que pudessem ter vindo a confirmação de que dor alguma poderia matar mais do que aquela…
Amores perdidos, paixões desfeitas, amizades interrompidas são dores menores, não matam, apenas moem… de resto, as afeições que ligam estranhos nem sempre são medianamente profundas, as mais das vezes não passam de encantamentos súbitos, aos quais a ilusão dá o nome de ‘amor’, que surgem e se esvaem com a mesma rapidez, como se accionadas por botõezinhos ‘on-off’ colocados algures a meio do peito com ligação directa à alma…
E do Amor, o verdadeiro, infinito e eterno, tão facilmente teorizado e poetizado, tão levianamente invocado, tão equivocadamente sentido, raros são os que lhe conhecem o travo ou sequer identificam a sua mais pura essência…
Entrada na segunda metade da vida, sabia invejada a sua liberdade de ser e estar e admirada a determinação com que fazia as suas escolhas e opções, incompreensíveis aos olhos de muitos, porém com resultados apreciáveis em matéria de felicidade… a tão desejada felicidade, que todos querem, mas pela qual não sabem lutar ou, pior, não estão para isso, porque dá muito trabalho…
É muito mais fácil resignar a vida ao desperdício inventando desculpas para melhor se assumirem vítimas de um destino que nem sabem se existe e que, existindo, lhes deixa livre o arbítrio para conduzirem seus passos como muito bem entenderem pelos caminhos que escolherem…
A memória trouxe-lhe os desabafos de uma amiga, constantemente deprimida porque mal casada, que, a pretexto de os filhos não sofrerem a ausência de um pai ‘omniausente’, recusava dar um só passo em direcção à felicidade, ele, o marido, que o desse, que assim não seria ela a má da fita… e nisto se consumia havia seis ou sete ou oito anos… Estaria cega?!... Não veria ela que assim, daquela maneira, todos os quatro seriam constante e eternamente infelizes?!... O bem dos filhos!? Que sabia ela do bem dos filhos se até mesmo o seu próprio bem lhe era estranho, desconhecido…!?
Aquelas vidas habitavam um mesmo espaço, ausente de amor, frio de amizade, sem respeito ou confiança, onde mulher tentava policiar marido e marido aparentemente se submetia para a final fazer o que bem entendia e ‘laurear a pevide’ com quem bem lhe apetecia, amigos homens, quase sempre… onde a mulher, ‘porque tinha razões para tal’, foi infiel ao marido, mas não descobrindo qualquer infidelidade do marido já o desconfiava gay… onde os filhos, crianças de 10 e 6 anos, assistiam às desavenças dos pais e sofriam atrozmente com o desamor entre eles… e com o egoísmo deles, pais, também!
Enfim, aquelas vidas não eram vidas e sem qualquer hipótese de o serem em conjunto nenhum dos adultos parecia ter vontade de terminar a tortura… para grande infelicidade de duas crianças, que Deus aparenta gostar de dar nozes a quem as não pode trincar…
Histórias de não vida, como esta, conhecia muitas… demais… e continuava a não compreender como é que as pessoas conseguem abdicar de si mesmas, da sua própria felicidade, em prol de nada e, mais do que isto, permitem que inocentes sejam infelizes por coisa nenhuma…
Recordou as recentes notícias sobre maus-tratos físicos que resultaram na morte de uma criança… e os maus-tratos não físicos, aqueles que decorrem de não vidas como aquela e que matam lentamente, num sofrimento atroz, constante, persistente, que vai deformando o carácter, limitando a personalidade, condicionando o ser e o estar de futuros adultos…?
Não, não compreendia…
(imagem recolhida online)
Rabiscado por lua