”É alguém que tu já conheces…”
Percorreu-a um arrepio enquanto tentava assimilar o real sentido das palavras da sua amiga.
A R… parecia ter dons de adivinhação, já o comprovara anteriormente...
Deteve-se, de súbito, atónita, numa longínqua lembrança
que tentara a todo o custo apagar dos arquivos da memória,
com o sucesso relativo que cinco anos de distância temporal
poderiam proporcionar…
Não! Não podia ser…
Desta vez a R… enganava-se, por certo…
Relembrou aquele sorriso franco a iluminar ternura
num rosto suave de homem sonhador que atenua as suas dores
entre risos e brincadeiras…
Ouviu de novo aquela voz, quente, mansa,
a envolver-lhe os sentidos como se som algum houvesse mais
a perturbar a sintonia……
E de novo aquela estranha sensação que a fizera deixar sem resposta
uma mensagem…
Nessa época ela renegava tudo o que não fosse possível racionalizar,
não queria ligações emocionais, dependências sentimentais,
‘sabia’ que o seu era um caminho de aprendizagem solitária
onde não haveria lugar para mais ninguém…
E sentia-se feliz assim mesmo!
Não queria amarras, nem nós, nem laços,
não queria criar raízes no solo de qualquer um…
Porém, quando o viu, compreendeu que ele não era ‘qualquer um’,
ele era ‘O’
e avassalou-a um sentir de intensidade tal
que a angústia se lhe apossou da alma
e não a deixou serenar enquanto não obteve a certeza
de que havia conseguido evitar a aproximação…
Jamais falara dele a quem quer que fosse,
nunca pronunciara o seu nome em voz audível,
afastava pensamentos que, teimosos, se lhe impunham
sempre que o recordava, como se deste modo
conseguisse banir do seu espírito, de uma vez por todas,
aquela presença omnipresente
que lhe desassossegava alma e ser e vida…
Vida… essa que nos pontua a história sem pedir opinião
e que, por vezes, nos surpreende com certezas mais incertas
do que qualquer dúvida existencial…
essa mesma Vida que, poucos dias depois, lho trouxe de volta do passado,
de súbito, inesperadamente,
quando já quase havia conseguido envolvê-lo por completo
no véu do esquecimento…
quase… tanto quanto é possível esquecer alguém
que se apropriou do nosso recanto mais precioso
e ali permanece,
imutável, inamovível,
muito além do infinito do sentir…
Revê-lo foi, a um tempo, sublime e angustiante…
estremeceu no sobressalto do peito
enquanto a alma se agitava entre o querer e o não querer,
sabendo que não adiantaria fugir, desviar o caminho,
impedir o rumo de uma história escrita nas estrelas a tinta indelével
que nenhuma borracha de esquecimento
poderia jamais apagar…
Leu-lhe alma no olhar…
e compreendeu que ali se iniciava um novo ciclo
onde tudo iria fluir e confluir num sentido desconhecido
que nenhum dos dois poderia prever ou alterar
porque a verdade não tem dono e
todas as certezas se perdem nas incógnitas do futuro…
ainda perturbada, aninhou-se naquele abraço meigo
que a envolveu com a força imensurável
de um sentir maior que o ser
onde o amor e a ternura se entrelaçavam na felicidade
de um momento adiado no tempo,
fermentado na saudade…
Desejou parar ali o relógio do universo
e aconchegar-se ae eternum
no calor daquele abraço intenso, magnético, doce…
e soube que a R… adivinhara!