sábado, março 24, 2007
Escadas da Vida... Havia já subido os degraus mais íngremes daquela escadaria escurecida…
No patamar logo acima, vislumbrava uma ténue luz de sorriso que pouco iluminava o exíguo espaço… Tomando a luz como guia, fixava nela o olhar ansioso, certa de que a alcançaria… Precisava de subir aqueles degraus, tinha que chegar lá acima, urgia encontrar a porta que a levaria ao sonho, o seu, que ali se escondera a recato de pesadelos...
De súbito um ranger sob o seu ser estremeceu-lhe todas as certezas… um degrau carcomido ameaçava ruir sob o peso de um pensamento angustiado que alguém atirara ao chão e ali caíra, rodopiando sem parar… Tentou afastá-lo entre duas voltas de si mesma… Mas o degrau, velho e gasto, cedeu e sentiu-o fugir debaixo de si…
Já em desequilíbrio, procurou o corrimão, tacteando a alma com cautela, mas encontrou-lhe apenas os resquícios e deu-se conta de que não conseguiria evitar a queda da esperança, escada abaixo…
Caiu-lhe das mãos a fé que apertava contra o peito e, num reflexo encandeante da luz que ainda fixava, apoiou-se no vazio e perdeu do passo a firmeza…
Escorregou determinação abaixo, desamparada, e estatelou-se, violentamente, no chão do seu desalento, mal se dando conta dos restos de esperança e fé esmagados debaixo de si… Sentiu uma dor, aguda, dilacerando-lhe a vontade em golpes rápidos, impiedosos… Viu afastar-se a alma no lamento do sorriso e perdeu de si a consciência…
Um grito trouxe-a de novo à consciência perdida… Sentiu-se envolvida num abraço que a sufocava e ouviu um murmúrio gelado ecoando no seu sentir: ‘Quero-te! Jamais te abandonarei…” Entreabriu os olhos, devagar, e reconheceu-o… Ele, o infame, que teimava em persegui-la, que tanto a desassossegava e arrasava... Ele, que rejeitara desde sempre e que parecia adivinhar-lhe os instantes de maior fragilidade, tentando tirar partido da sua vulnerabilidade... Ele, que não queria, que jamais aceitaria, que sempre repudiaria...
Invocando todas as forças que tinha em si, soergueu-se, ainda a custo, libertou-se daquela amarra torturante, e agarrando a dor atroz que lhe desfazia a vontade, atirou-a com violência àquele amaldiçoado que insistia em atormentá-la...
“Vai-te, que não te chamei, desespero maldito, vai-te para bem longe de mim!" - gritou-lhe, enraivecida… "Jamais me terás, nunca serei tua!
Viu-o afastar-se, devagar, desesperado, por ter sido uma vez mais escorraçado…
A luz, lá em cima, brilhava sorriso sereno… E ela, erguendo-se lentamente, juntou, um a um, os pedaços de esperança e fé que jaziam a seus pés e avançou de novo para o primeiro degrau da escadaria da sua vida…
(imagem recolhida online)
Rabiscado por lua
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